sexta-feira, 19 de julho de 2013

II. A Fonte de S. Pedro de Rates em Balasar


O P.e Carvalho da Costa explicou como a Fonte do Casal entrava na lenda de S. Pedro de Rates:

Na aldeia do Casal está a fonte em que São Pedro de Rates estava de joelhos, bebendo, quando os tiranos vinham atrás dele, de Braga, para o matarem, e foi Deus servido de que o não vissem, estando patente à vista. Dizem que duas covinhas que tem são de seus santos joelhos.
Vêm a esta fonte muitos enfermos de maleitas e, bebendo dela, voltam livres do achaque.

A serem verdade tão manifesto milagre do santo e as subsequentes curas, justificava-se a grande veneração de que essa nascente gozou.
As Memórias Paroquiais dão notícia da fonte nestes termos:

Bebem os moradores duma fonte a que dão o nome de S. Pedro de Rates: há aqui uma pedra com uma pegada estampada, a qual dizem ser do Santo de que a fonte tomou o nome; e, tirando a pedra em certa ocasião, dizem secara de todo e não lançara mais água senão quando se lhe tornou a pôr. Tem o povo grande fé com esta água e dizem que bebendo-a tira as maleitas, de que há repetidas experiências. (1736)
Há nesta freguesia, no lugar do Casal, uma celebrada fonte, chamada de S. Pedro, cuja água é milagrosa para os doentes de sezões e terçãs, como se experimenta bebendo-a com fé e devoção ao mesmo Apóstolo (…). (1758)

Está-se no campo da pura lenda, mas lenda por lenda a versão do P.e Carvalho da Costa era mais maravilhosa e completa.
Em 1736, o pároco, o P.e António da Silva e Sousa, fala de S. Pedro de Rates, do milagre da pedra que se tira e se volta a colocar e que condiciona o fluxo da água e até das curas, mas endossa tudo ao povo, embora evocando “repetidas experiências”; mas em 1758 S. Pedro é taxativamente identificado com o apóstolo, embora a água continue com o seu poder curativo.
Se tudo isto fosse verdade, seria uma extraordinária verdade.

Devoção a S. Pedro de Rates em Balasar

Houve devoção a S. Pedro de Rates em Balasar: testemunham-na o P.e Carvalho da Costa e o autor das memórias paroquiais. O primeiro fala até com bastante clareza numa romagem dirigida à fonte.
Mas, ao lado da intercessão que visava a vida terrena, também se lhe pedia a intercessão para depois da morte: no séc. XVIII, testemunham-no os assentos de óbito, no séc. XIX, os testamentos.
Seguem-se alguns exemplos.
No assento de óbito balasarense, de 1758, que começa ao fundo da coluna da esquerda e continua ao cimo da da direita,  José da Costa, de Além, deixa cinco missas por sua alma "no altar privilegiado de S. Pedro de Rates, em Braga".
Em 11 de Abril de 1745, Custódia, de Gestrins, deixou que se celebrassem por sua alma “oito missas a S. Pedro de Rates, ditas em Braga, no altar privilegiado”; em 30 de Março de 1758, outra senhora estipulou que se “dissessem por sua alma cinco missas no altar privilegiado de S. Pedro de Rates em Braga”; Maria, solteira, de Guardinhos, falecida em 4 de Agosto de 1761, deixou “uma missa rezada a S. Pedro de Rates”; em 1762, uma tal Margarida Gonçalves, natural de Rio Mau, mas residente em Escariz, falecida a 21 de Julho, deixa também uma missa a “S. Pedro de Rates, dita no seu altar, em Braga”.
As missas celebravam-se em Braga, mas os devotos eram balasarenses.
Nos testamentos do séc. XIX, são frequentes as missas em honra de S. Pedro de Rates, mas muitas vezes é uma só, como aconteceu com Custódio José da Costa:

E logo que eu faleça se dirá uma missa rezada no altar de São Pedro de Rates.

Também Manuel da Silva Campos, do Telo, que fez testamento a 17 de Maio de 1843, deixou uma missa a S. Pedro de Rates:

(…) uma a São Pedro de Rates, dita no seu próprio altar, logo que eu falecer.

Francisco Malta, do Telo, a 18 de Abril de 1844, determinou coisa semelhante:

(…) outra a São Pedro de Rates, estando o meu corpo sobre terra.

Em 1875, António José dos Santos, que faleceu no Casal, também deixa uma missa a S. Pedro de Rates no dia do seu falecimento.
A urgência atribuída a estas missas deve-se a que S. Pedro de Rates era identificado com S. Pedro Apóstolo, o porteiro do Paraíso.
Neste século parece ter existido na freguesia um altar privilegiado do santo, naturalmente com imagem pois já não se menciona o de Braga.

Vandalismo na Fonte de S. Pedro

Na acta da sessão extraordinária da Junta de 1 de Junho de 1930, o presidente informou que “tinha recebido de vários moradores dos lugares de Lousadelo e Casal pedidos de providências contra as danificações que desde o último mês de Março têm sido praticadas de noite e por diferentes vezes na fonte pública denominada Fonte de S. Pedro, sita entre aqueles dois lugares, quer obstruindo com paus e pedras a cisterna onde aflora a nascente, quer lançando às suas águas excrementos de animais e de gente e outras imundícies nocivas à saúde pública e que as tornam impróprias para os antigos usos e gastos domésticos”.
O que noutros tempos teria sido profanação agora é simples vandalismo e desrespeito por um monumento que devia merecer consideração. De notar que a fonte é de S. Pedro, não de S. Pedro de Rates, e que é localizada entre os lugares de Lousadelo e Casal.
Imagem de S. Pedro de Rates que encontrámos na Internet.
Cavidades em pedras com desenhos vagamente semelhantes a partes do corpo humano[1] impressionaram as mentes populares, gerando lendas. Curioso é que estas sofreram por vezes adaptações com as mudanças de pensamento religioso. No caso da Fonte de S. Pedro de Rates também é provável que tenha havido adaptação de algo anterior, o que de modo nenhuma desvalorizaria a lenda, bem ao contrário.
No quinto volume da Etnografia Portuguesa[2], a monumental obra de José Leite de Vasconcelos, a Fonte de S. Pedro vem mencionada duas vezes entre as “fontes santas”; na primeira ocorrência, é chamada “Fonte de Balasar”, na segunda, “Fonte de S. Pedro, na Quinta da Piedade”. Uma nota a esta segunda ocorrência envia para duas referências bibliográficas, uma delas em alemão.
Atendendo ao lugar que esta lenda teve na sua história, Balasar precisa de a redescobrir e valorizar, e isso implica restaurar a Fonte de S. Pedro.


[1] Note-se que para o P.e Carvalho da Costa as marcas da Fonte de S. Pedro eram covinhas que representavam os joelhos do santo, já para o pároco P.e António da Silva e Sousa tratava-se duma pegada estampada na pedra. Coisas bastante diferentes.
[2] Páginas 132 e 134.

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